Para
responder a essa pergunta, de maneira abrangente, de modo inteligível a
todos os leitores, quer sejam ou não técnicos ou engenheiros
metalurgistas, torna-se necessário relembrar o significado do termo. A
ferrita delta é uma solução sólida de carbono na forma alotrópica delta
do ferro. Sabemos que o ferro possui quatro formas alotrópicas que são
os tipos de reticulados cristalinos que o ferro apresenta quando sofre
mudança de temperatura a uma atmosfera de pressão.
Quando elementos, tais como carbono,
nitrogênio, boro, fósforo, etc. são adicionados ao ferro formam-se as
soluções sólidas características dos aços. Essas soluções sólidas são
conhecidas como: fase alfa (ferrita alfa magnética), fase beta (ferrita
beta não magnética), fase gama (fase gama - austenita) e fase delta
(ferrita delta). A ferrita delta é a primeira fase que se solidifica nos
aços de baixo e médio teor de carbono, sendo resultante de uma reação
chamada peritética, no aço carbono. Ela ocorre também em aços
inoxidáveis austeníticos da classe 300, por um mecanismo semelhante ao
que ocorre nos aços carbono, porém sob forte influência dos teores de
cromo e níquel presentes nos aços inoxidáveis.
Em ambos os casos a ferrita delta não é
prejudicial aos aços, pelo contrário, a literatura indica como benéfica
no caso dos aços inoxidáveis austeníticos, minimizando o efeito da
dissolução do cromo e prevenindo a corrosão intergranular tão indesejada
nesse tipo de aço. No aço carbono de baixo e médio teor de carbono a
ferrita delta que se forma no primeiro estágio da solidificação do aço,
transforma-se com a continuação do resfriamento do mesmo, através da
reação peritética, em austenita, sem causar nenhum transtorno ao aço.
Todavia, nem tudo é tão simples assim. A ferrita delta, que normalmente é
uma fase dúctil e bastante deformável mesmo à temperatura ambiente,
pode tornar-se dura e frágil pela adição em sua composição de elementos
solúveis como o fósforo, por exemplo. Na figura 1, podemos ver os campos
de solubilidade do fósforo na ferrita magnética e paramagnética.
Este processo de enriquecimento da
ferrita delta pela adição de fósforo, possibilita uma maior concentração
de fósforo na ferrita pelo processo de difusão, que ocorre a uma faixa
de temperatura normalmente usada nos tratamentos térmicos convencionais,
utilizados para obtenção das propriedades mecânicas dos elementos de
fixação mais usuais. O fósforo pode se dissolver na ferrita delta em
teores que elevam sua concentração em até 50 vezes o teor de fósforo
encontrado normalmente nos aços. Conforme mostra o diagrama
ferro-fósforo da figura 1.
No caso da ferrita delta, na qual houve
a dissolução de fósforo, a mesma é visível por análise metalográfica
como uma camada branca e contínua, em toda a superfície do material com
alguns μm de profundidade. Conforme mostra a figura 2.
Mecanismo de formação da ferrita delta
A dissolução do fósforo na ferrita
delta e, portanto, a profundidade da camada rica em fósforo, como vimos
anteriormente, é um processo de difusão. De acordo com as leis de
difusão de Fick, este processo é função da concentração do soluto, do
tempo e da temperatura de permanência do material nessas condições. Como
ocorre difusão do fósforo para o interior do material, e mantida a
temperatura, à medida que a concentração de fósforo aumenta na
superfície aumenta o grau de dificuldade para a difusão do mesmo.
Teremos assim um gradiente de concentração de fósforo, maior na
superfície, que forma a ferrita delta, (camada branca da figura 2), e
uma zona de difusão decrescente em teor de fósforo, através dos
contornos de grão, na direção do núcleo do material.
Essa difusão do fósforo nos contornos
de grão pode atingir a profundidade de 30 μm, em um processo
convencional de tratamento térmico. Este fato está ilustrado na figura
3.
Ocorrência de ferrita delta nos elementos de fixação
Temos observado a presença de ferrita
delta em elementos de fixação, principalmente naqueles projetados para
utilização em aplicações de alta resistência mecânica, com classe de
resistência > 1200 MPa, fabricados com aço de médio carbono e média
liga.
Em elementos de fixação de alta
resistência mecânica, a ferrita delta causa fraturas do tipo fratura
frágil ou por clivagem, característica de perda de coesão entre os
grãos, com ruptura intercristalina sem sinais de deformações plásticas
que pudessem indicar uma certa ductilidade.
O aspecto observado da face de fratura é
indicativo de que os esforços solicitantes ao qual foi submetido
durante o serviço, não foram acomodados por uma deformação elasto –
plástica correspondente do elemento de fixação. As trincas ocorrem em
vários pontos da superfície e progridem sob a ação dos esforços
solicitantes para o interior do elemento de fixação, conforme mostra a
figura 4.
Para que a ferrita delta cause a ruptura do elemento de fixação em serviço, algumas condições devem ser atuantes no processo:
a) Temperatura e tempo compatíveis com o processo de difusão.
b) Alta resistência mecânica normalmente > 1200 MPa.
c) Alta concentração de fósforo.
As condições (a) e (b) são facilmente
explicáveis, devido aos processos de tratamento térmicos aos quais os
elementos de fixação de alta resistência mecânica são submetidos. Quanto
à condição (c), algumas hipóteses foram aventadas, tais como:
a) A matéria-prima recebida para
fabricação dos elementos de fixação estava fosfatizada para proteção
contra corrosão (fosfato de zinco).
b) A matéria-prima foi fosfatizada posteriormente ao recebimento para processamento interno (fosfato demanganês).
c) Houve retrabalho com novo tratamento térmico em material já fosfatizado.
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